Celebrações
Catequéticas e Festas no Itinerário Catequético
Desde
a tradição mais antiga no campo da Catequese, o período catecumenal viu-se
balizado por momentos Celebrativos,
encontros nos quais o centro era ocupado pela proclamação da Palavra de Deus e
pela explicação da mesma, acompanhada de gestos (imposição das mãos, unções, bênçãos) e orações particulares em favor daqueles
que se encontravam em processo catecumenal. Disto nos dá razão Hipólito na
sua Tradição apostólica:
«Quando
o doutor conclui a catequese, os catecúmenos oram separados dos fiéis leigos»
(nº 18). «Quando o doutor, depois da oração, impuser a mão sobre os
catecúmenos, orará e os aceitará» (nº 19). «A partir do momento em que
foram eleitos, impor-se-lhes-á a mão todos os dias exorcizando‑os» (nº 20).
Se
a Igreja na sua Tradição manteve determinados encontros de tipo celebrativo
para acompanhar o processo catequético que conduzia aos sacramentos de Iniciação
Cristã, foi porque descobriu neles um valor; valor enquanto referência directa
ao acompanhamento comunitário, e valor enquanto caminho de formação em vista a
assentar as bases e o fundamento do que viria posteriormente na noite de
Páscoa. O novo Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos acolhe
também o mesmo procedimento.
O Directório
para as Missa com Crianças insere-se num período de formação que
podemos denominar de «aprofundamento catecumenal», se bem que os sujeitos sejam
já baptizados e «eucaristizados». Esta etapa catequética continua a ser de
aprendizagem de conhecimentos, como de fundamentação e clarificação de
motivações coerentes que nos comprometem na vida celebrativo-litúrgica. Isto,
de certo modo, justifica que comecemos por expor algumas ideias presentes
no Directório, que podem iluminar as nossas opções por um tipo de
celebrações «complementares» da Eucaristia.
Nesta
etapa da infância andam a par a formação humana e a formação litúrgica. O Directório está
consciente desta unidade formativa («Esta formação litúrgica e eucarística não
pode separar‑se da educação geral,humana e cristã»: DMC 8),
daí que defenda outro tipo de celebrações fora da Missa, que levem as crianças
a aprofundar valores humanos que estão presentes na celebração da Eucaristia.
Deste modo a participação das crianças no acto celebrativo-litúrgico da Missa
será favorecida ainda mais:
«As
crianças,[…] façam também, de modo proporcionado à idade e desenvolvimento
pessoal, a experiência concreta daqueles valores humanos que estão na base
da celebração eucarística, como sejam: a acção comunitária, a maneira de
saudar, a capacidade de escutar, de pedir perdão e de perdoar, a expressão de
um coração agradecido, a experiência de acções simbólicas, do banquete
fraterno, da celebração da festa» (DMC 9).
A
educação-formação nos valores humanos são fundamentais para a celebração
litúrgica porque a própria liturgia toma elementos da vida familiar e social
para levar a cabo os encontros celebrativos.
A
família, por um lado, e a comunidade eclesial, por outro, desempenham um papel
importante na vivência e celebração da fé das crianças. Assim se exprime
o Directório:
«A
comunidade cristã […] é a melhor escola de formação cristã e litúrgica para as
crianças que nela vivem» (DMC 11).
«A
família cristã desempenha o papel principal na aquisição destes valores humanos
e cristãos [por parte das crianças]» (DMC 10).
Todos
temos consciência do valor da família, em primeiro lugar, para ajudar os
próprios filhos no caminhos da fé e, portanto, no caminho da participação na
celebração litúrgica. Porém uma coisa é tomar consciência do facto e outra
diferente é responsabilizar-se pela sua execução. Muito está ainda por fazer no
sentido de que as famílias tomem a sério o seu papel, de valor insubstituível,
na formação e aprofundamento da fé dos próprios filhos, assim como da sua
vivência celebrativa nos actos litúrgicos. Talvez tenhamos tomado muito
seriamente a execução de projectos de catequese para as crianças, os
pré-adolescentes e os jovens e tenhamos descuidado o projecto de corresponsabilizar
os pais nesta tarefa catequética e litúrgica.
Dizemos,
também, que a comunidade eclesial tem um papel importante neste mesmo caminho
celebrativo. Não esqueçamos, porém, que este papel cresce no seu valor na
medida em que cresce o valor da família. Vai sendo hora de fazer compreender às
famílias, de modo progressivo, a riqueza que encerra a celebração dos
Sacramentos na comunidade paroquial, com a presença da comunidade. A celebração
sacramental, como por exemplo o Baptismo, de um membro de uma família, não
alegra apenas essa família mas sim a toda a comunidade eclesial.
«Na
formação litúrgica das crianças e na sua preparação para a vida litúrgica da
Igreja podem ter também grande importância celebrações de diverso tipo,
mediante as quais as crianças, pela força da própria celebração, percebem mais
facilmente certos elementos litúrgicos, tais como a saudação, o silêncio, o
louvor comum…» (DMC 13)
Concretamente,
este tipo de celebrações de que fala o Directório são as assim
chamadas «celebrações catequéticas». São celebrações que no próprio
âmbito da catequese procuram oferecer motivações e iluminar alguns sinais,
expressões humanas ou atitudes (dimensões da pessoa: humana, religiosa, orante,
celebrante,...) tendo em vista a melhor vivência celebrativa, visando uma maior
participação nas manifestações religiosas e litúrgicas. No nosso caso o que se
pretende é a participação consciente e activa na celebração litúrgica. Mais
adiante deter‑nos‑emos neste ponto.
Na
base da Constituição Conciliar SC no seu número 35 («Fomentem-se
as celebrações sagradas da Palavra de Deus nas vésperas das festas mais
solenes, em alguns dias feriais do Advento e Quaresma e aos Domingos e
dias festivos, principalmente nos lugares onde não haja sacerdote»), o Directório convida
a guiar as crianças na descoberta do valor da Palavra de Deus na celebração
litúrgica:
«Nestas
celebrações, deve dar-se à Palavra de Deus uma importância cada vez maior […]
Devem fazer-se com as crianças, com maior frequência, celebrações da Palavra de
Deus propriamente ditas, sobretudo no Advento e Quaresma» (DMC 14).
O
Valor da Palavra de Deus na celebração litúrgica é primordial, pois nela se
enraíza toda a celebração; podemos dizer que a Palavra de Deus é o
fundamento de toda a celebração sacramental. Em apoio desta nossa
afirmação aduzimos a estrutura celebrativa presente em todos os actuais
rituais. Por isso, o mesmo Directório convida a ter
celebrações específicas da Palavra de Deus, sobretudo nos assim chamados tempos
fortes do Ano Litúrgico.
A
Celebração catequética apresenta-se como uma tentativa da própria catequese se
superar a si mesma, aproximando-se mais da liturgia, sem nunca perder o seu
carácter especifico.
Esta
mentalidade, sobre a promoção da celebração catequética tendo em vista a sua aproximação
à liturgia desenvolve-se particularmente em ambientes do norte da Europa
nos inícios dos anos 50, deixando entrever uma certa influência por
parte do movimento litúrgico do princípio do século, cujas linhas, pelo menos
algumas delas, serão totalmente assumidas na encíclica Mediator Dei de
Pio XII, e serão totalmente assumidas na Constituição Conciliar do Vaticano
II Sacrosanctum Concilium.
Nesta
mentalidade pretende-se atingir um ponto de encontro entre o movimento
litúrgico e a procura de uma catequese que não seja nocionista, abstracta e
individualista.
A
partir da reflexão que se ia fazendo no Instituto Catequético de Paris (1951),
começa a introduzir-se a celebração catequética em tratados de catequética como
o de Josep Colomb[1].
Nele, Colomb afirmará, ao falar sobre a «celebração em catequese metódica» que
«em catequese didáctica a celebração é uma oração de “forma litúrgica”, na
continuação de uma prelecção […]. Ligada assim à prelecção, a celebração fica
unida à catequese metódica e não à liturgia»[2].
Nesta
mesma linha já se havia movido e continuava a orientar aquela que fora
orientadora de trabalho prático no Instituto Superior de Catequética de
Paris, Françoise Derkenne (nascida em 1907). Segundo ela: «Toda a catequese
está no Missal. Trata-se de colocar as crianças em contacto, não com as
verdades abstractas, mas com a pessoa de Cristo vivo hoje, aí onde nós
revivemos os mistérios ao longo do Ano Litúrgico»[3].
A
partir do Vaticano II continua a escrever‑se sobre as celebrações
catequéticas, ainda que estas não sejam tidas muito em conta. Parece que ainda
não se tomou consciência dos pontos de partida e dos princípios animadores das
celebrações catequéticas. Estas nascem da exigência de superar a ruptura entre
liturgia e catequese. Onde se prestou atenção a quanto o movimento litúrgico ia
apresentando, sentiu-se a necessidade de superar o modo habitual de fazer
catequese.
A
abertura da reforma litúrgica, que tem em conta a diversidade de idades para a
celebração, abre um novo caminho para o aprofundamento da relação entre
liturgia e catequese. As celebrações da Palavra, para as quais convida a
própria constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, de certo
modo levaram a pensar que a celebração catequética já estaria superada ou mesmo
inadequada.
A
partir de uma pedagogia activa, o ensino religioso deveria ter como alvo, não a
simples instrução, mas sim levar a uma verdadeira iniciação que introduza o
homem todo, no Mistério de Deus. A celebração encontra-se entre as técnicas
mais apropriadas para esse fim.
Segundo
a descrição que François Coudreau faz de celebração catequética:
«Por
meio da Palavra (Sagrada Escritura) e do uso do gesto (jogo, mímica...) numa
atmosfera semelhante à da assembleia litúrgica, reevoca-se um acontecimento
passado (bíblico, evangélico ou histórico) para fazer reviver o mistério aí
expresso, de modo que, através de uma participação activa da comunidade, se
facilite a cada um a contemplação actual desse mistério, com a finalidade de
obter a conversão do coração e um compromisso de vida»[4].
Podem
enumerar-se certos elementos que põem em realce a estrutura de uma celebração
catequética:
— Reevocação
de um acontecimento bíblico ou histórico (pode ser representado; o centro não é
ocupado pela pessoa, mas sim pela narração).
— Atmosfera
litúrgica (no sentido de uma acção, acção comunitária).
— Passagem
do acontecimento ao mistério (o grupo deverá acolher o mistério expresso em
gestos e palavras), mas numa ordem diferente da da celebração sacramental.
— Profissão
de fé comunitária (conversão e compromisso por meio de uma expressão de fé
comum, mediante a oração, o canto ou gestos).
Atendendo
a este conteúdo, poderíamos dizer não existir diferença entre uma celebração
catequética e uma celebração litúrgica da Palavra. Contudo se atendermos à sua
finalidade a diferença existe:
— A
finalidade da celebração catequética é fazer compreender o que se realiza (é
uma acção indicativa), ou o que é o mesmo, descobrir o mecanismo ou o processo
para a obtenção de algo (o processo de elaboração de um produto).
— A
finalidade da celebração litúrgica não é informar mas confirmar a existência de
um encontro, de uma relação (é uma acção ritual).
Pode
dar-se o caso de que uma celebração catequética deixe de ser indicativa e passe
a ser ritual; então deixaria de existir distinção e estaríamos, a falar de
celebração litúrgica.
Esta
visão de celebração catequética que vimos até aqui, amplia-se, de certo modo,
pelo conteúdo que encontramos no Directório para a Missa com
crianças e que já antes assinalámos ao falar de «celebrações
especiais», isto é, celebrações que leva a aprofundar valores de tipo familiar,
social, antropológico, e que a celebração litúrgica assume na sua estrutura.
As
crianças em período de catequese precisam (na fase dos 6-8 anos) de um ambiente
rico em símbolos litúrgicos e sinais que manifestem os valores fundamentais do
Evangelho. Tanto uns como outros são apreendidos pelas crianças mais pelo
ambiente de fé que as rodeia que pelas palavras que ouvem[5].
Dos
8 aos 10 anos gostam de viver a sua fé de um modo activo particularmente
integrados em celebrações da comunidade, desempenhando um papel concreto[6].
Na
etapa dos 10 aos 12 anos, a criança dá importância à oração e gosta de momentos
de convívio com o grupo dos da sua idade[7].
Todo
o processo catequético-formativo pede momentos particulares de encontro que não
se reduzam à exposição e diálogo sobre conteúdos de tipo doutrinal, mas que
sejam vividos como expressão de vida, de encontro festivo, de abertura a
dimensões interiores da pessoa, portanto, celebrações.
Pelo
fim visado pela própria catequese e pela condição dos sujeitos que integram o
grupo de catequese, as celebrações catequéticas não só se consideram
convenientes, mas também necessárias. A sua ajuda é altamente positiva para
perceber e fundamentar os conteúdos de fé apresentados na catequese, e os
valores tanto a nível humano como religioso-evangélico. Como já antes
indicámos, pode acontecer que no desenvolvimento de uma celebração catequética
passemos a uma celebração litúrgica da Palavra. Não nos preocupemos em evitar
esta passagem, pelo contrário, acolhamos positivamente toda a experiência
celebrativa que nos leve não só a descobrir como o mistério se torna presente,
mas até a descobrirmo-nos dentro do mistério, vivendo o mistério, contribuindo
activamente para a realização do mistério, presença sacramental de Cristo.
Durante
o ano lectivo de 1991/92, na revista Proyecto Catequista foram
aparecendo celebrações do tipo catequético com a intenção de aprofundar
conteúdos particulares que aproximassem da celebração litúrgica, favorecendo
assim a participação mais activa na mesma. O conteúdo que se queria aprofundar
era tirado da Constituição conciliar SC. A primeira dessas
celebrações, incluída no esquema, pretende guiar na descoberta do valor da
celebração em geral a partir do nº 59 da SC, que diz: «[Os
Sacramentos] conferem certamente a graça, porém a sua celebração também prepara
perfeitamente os fiéis para receberem com fruto a mesma graça, render culto a
Deus e praticar a caridade».
O
esquema apresentava-se do seguinte modo:
Premissas:
Se
estamos interessados em celebrar, isto é, interessados em fazer festa, não
devemos esquecer que:
—
Há algo importante na minha vida; e, porque é importante, dedicamos-lhe um
tempo especial: algo ou alguém nos convoca; há um convite.
—
Este tempo especial não o vivo na solidão, mas antes o partilho com mais
alguém: amigos, família, grupo…
— Apresento
uns sinais pelos quais todos nos sentimos a fazer algo em comum e distinto
daquilo que fazemos todos os dias; algo que nos alegra, que não nos cansa
porque nos abre para a vida e, portanto, sentimo-nos bem.
— Partilhar
a amizade, partilhar a palavra e o diálogo, partilhar a comida e a bebida são
elementos que, de certo modo, se exigem em toda a celebração, pois vão
conformando o ritual da celebração.
Motivação:
Vamos
dedicar um momento ou um tempo da nossa vida, da nossa história, a celebrar o
primeiro encontro que tivemos como grupo. Cremos que vale a pena celebrar o
facto de estarmos juntos como grupo, de nos encontrarmos e enriquecer-nos.[esta motivação será dada alguns dias antes da
própria celebração, para que se comece a viver o momento pré-celebrativo. Será
necessário adornar a sala (desenhos, posters, flores…); levar algum distintivo
(roupa especial, lenço ao pescoço, autocolante…) e trazer algum doce e/ou
bebida para partilhar. E que não falte a música!]
Desenvolvimento:
Primeiro
momento: Saudações e acolhimento
por parte de todos e cada um; ao som da música de ambiente vai-se abrindo o que
cada um trouxer
Segundo
momento: (Partilhamos o
nosso diálogo): cada qual manifesta por que razão é importante para ele (ela)
esta celebração do primeiro encontro. Podem aparecer respostas como: «desde que
vos conheço ando muito melhor…»; ou «Desde que estou convosco vivo a vida…».
Cada
qual pode narrar o que recorda do seu primeiro dia de encontro no grupo, ou o
acontecimento que recorda com mais agrado.
Terceiro
momento: (Partilhamos outras coisas: música, doces, bebida…). Enquanto
se partilham os doces ouve-se a melodia musical que cada qual traz escolhida.
Após cada canção ou melodia musical, todos aplaudem (gesto comum que une a
assembleia). escolhe-se uma das canções escutadas para ser cantada por todos.
Quarto
momento: (Despedida): cada
qual pode inventar um brinde, se se partilha algum refresco. Todos cantam a
canção escolhida ou outra que exprima a unidade do grupo. [É importante fixar
uma data ou uma próxima reunião para rever a celebração vivida e descobrir os
elementos mais típicos que estão presentes em qualquer celebração].
Como
se pode observar trata-se do esquema celebrativo da Eucaristia: momento de
encontro/ritos iniciais da celebração, mesa da Palavra, mesa da Eucaristia e
conclusão/despedida da assembleia. É o animador/catequista quem deverá conhecer
o momento adequado no qual se poderá realizar este tipo de celebração, tendo a
possibilidade de acrescentar, mudar ou retirar uns ou outros elementos. Não
podemos educar no esquematismo rígido, e menos ainda numa proposta de
celebração dirigida a grupos em diferentes etapas formativas. É aqui que se
agradecerá ou se sentirá a falta da formação litúrgica do/da catequista.
Falar
de festas num itinerário catequético obriga-nos a determinar o conceito de
«festa» dentro de um itinerário catequético. Por «festa» entendemos aquela
celebração (Sacramento ou sacramental) de carácter público, expressão, ao mesmo
tempo, do compromisso pessoal, enquanto aceitação do dom gratuito do próprio Deus,
e manifestação de agradecimento a Deus, presente na comunidade, pelo chamamento
feito.
A
festa, a partir do seu carácter público e do compromisso comum, provoca uma
nova situação do sujeito no meio da comunidade. No itinerário catequético para
a infância em Portugal aparecem as seguintes festas:
Festas-sacramento: Festa do
Perdão (Reconciliação)
Festa da Eucaristia
Festas-sacramentais: Festa do Pai-Nosso
Festa da Palavra
Gesto-compromisso: Entrega
do NT ou da Bíblia
Entrega do Credo.
Profissão de fé.
A
festa (celebração de um Sacramento ou sacramental) insere-se num itinerário de
vida de fé, que se vive em dimensão catequética. E não é por estar inserido num
itinerário, que pode dar a sensação de um grande grupo, que se deve
despersonalizar o processo catequético. Não se celebra um Sacramento porque
«chegou a vez» ou porque se esteve durante dois ou três anos na catequese da
infância, mas sim porque se descobre na pessoa, seja criança, adolescente,
jovem ou adulto, um mínimo de resposta de fé pessoal e fé comunitária[8];
não se celebra porque alguém ganhou a pulso a celebração sacramental, mas
porque é a expressão do dom gratuito que Deus fez ao catequisando e este
acolheu-o, manifestando assim o compromisso que assume diante de Deus.
As
festas no itinerário catequético vão pondo em evidência a acção do Espírito em
cada um dos corações que acolhe com sinceridade a Palavra de Deus. Vão
certificando o crescimento, a adultez e a maturidade na fé, a nova situação
perante a comunidade. As situações de tipo antropológico que marcam a existência
do homem vivem-se a partir da celebração sacramental para assim significar no
seio eclesial o caminho de aprofundamento na fé. Por isso as festas, celebração
cristã de fé, são necessárias em todo o itinerário de fé.
Mas,
que festas? Com que sequência? Responder as estas perguntas significaria ter já
resolvido um dos problemas mais difíceis no campo sacramental, litúrgico e
catequético. Só para dar um exemplo presente nos guias do itinerário
catequético de Portugal:
No
volume terceiro (2ª fase — 1º ano), o Presidente da Comissão Episcopal da
Educação Cristã, D. Horácio Coelho Cristino, dirigindo-se aos catequistas na
apresentação do livro diz: «as crianças do teu grupo vão redescobrir deste
modo o sentido e a força dos Sacramentos da Iniciação Cristã, quer dizer
Baptismo, Confirmação e Eucaristia» (p.6).
Por
outro lado, no primeiro volume (1ªfase — 1º ano) na Festa
do acolhimento dá-se a seguinte indicação aos catequistas: «Na
actual prática pastoral considera-se o cristão plenamente iniciado na vida
eclesial (maturidade da vida cristã e conhecimento doutrinal), quando recebeu
os três Sacramentos da Iniciação Cristã (Baptismo, Eucaristia e Confirmação)
que supõem uma conveniente formação: catequese dos 6 aos 16 anos pelo
menos» (p.20).
E
se, além disso, considerarmos a Reconciliação dentro do itinerário de
iniciação, o que na prática acontece, complicamos ainda muito mais o itinerário
sacramental que aparece indicado em todos os documentos oficiais que vêm das
Congregações romanas, quer dizer: Iniciação Cristã =" Baptismo,"
Confirmação e Eucaristia. Não é minha intenção entrar neste problema, mas
simplesmente indicar que já no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos,
se oferece uma nova modalidade celebrativa para aquelas crianças que em idade
escolar ainda não celebraram o Baptismo. Pede-se que seja seguido com eles um
itinerário catequético especial, de modo que possam celebrar ao mesmo tempo o
grande sacramento da Iniciação Cristã, ou seja: Baptismo, Confirmação e
Eucaristia.
De
novo perguntamos: que festas e quando? Podemos indicar como respostas
possíveis:
— Aquelas
festas que estejam em sintonia com o que se vai aprofundando no itinerário
catequético, sem descuidar a personalização da celebração.
— Em
relação ao quando: evidentemente aproveitando o quadro do ano litúrgico, mas
desmassificando as celebrações. Será um modo de ajudar também à personalização
da celebração e do itinerário catequético que se vai percorrendo.
Seria
demorado ir vendo cada uma das festas que, segundo o projecto do Secretariado
Nacional de Educação Cristã de Portugal, se propõem no itinerário catequético
para a infância. Detenho-me na festa da «Palavra» porque a Palavra de Deus é o
elemento chave de qualquer projecto catequético. Analisamos a celebração
enquanto tal celebração, dentro de um contexto mais geral, para passar
posteriormente ao seu desenvolvimento.
Esta
festa situa-se no final de um ano catequético, no qual um dos objectivos
fundamentais será: «ir descobrindo e aceitando a Boa Nova da Palavra de
Deus, mediante a introdução à Bíblia, especialmente aos Evangelhos» (2ª
fase — 2º ano, p. 12). Podemos afirmar que existe conexão entre o ensinado na
catequese e a celebração.
Fixemo-nos
nas festas que se celebraram anteriormente nos outros anos de catequese:
— Festa do Pai-Nosso
— Festa do Perdão
— Festa da Eucaristia.
A
partir da estrutura sacramental-celebrativa, observámos como a Palavra de Deus
antecede, é fundamento da acção litúrgica. E, no nosso caso, com a festa da
Palavra, acontece que está situada depois da celebração sacramental do Perdão e
da Eucaristia-Comunhão na mesa do pão. Esta colocação parece apresentar uma
certa contradição.
Não
se insinua nenhuma data, em concreto, para a celebração desta festa da Palavra,
mas simplesmente se indica a sua celebração «no final do ano». Durante o ano
litúrgico celebramos o Mistério Pascal nas suas particularidades, e estas são
postas em evidência na Palavra de Deus. Já que se trata de celebrar a «Festa da
Palavra», não estaria mal que se celebrasse à volta de alguns dos
acontecimentos pascais, por exemplo em torno do Pentecostes, visto que sugere
ideias de «anúncio da Palavra», testemunho, envio...
O
esquema que se apresenta está enquadrado na Missa dominical. Porquê? A resposta
é-nos dada pelo mesmo guia do catequista:
«Porque
a Eucaristia é o momento mais privilegiado na vida da comunidade cristã. E, sem
uma comunidade, a Bíblia nunca teria sentido, mesmo hoje. Daí que a entrega da
Bíblia às crianças se faça quando a comunidade está reunida».
Esta
é a única referência que se faz à Missa; e não parece que o motivo apresentado
esclareça muito o porquê da inclusão na Missa.
No
Ordo Lectionum Missae (OLM) — trata-se dos Praenotanda ao
Leccionário — aparecem indicações precisas acerca do valor da Palavra de Deus
na Missa. Não teria estado mal recolhê-los aqui:
—
Dupla mesa e um só ato de culto.
—
A celebração litúrgica sustém-se e apoia-se na Palavra de Deus.
—
A celebração litúrgica converte-se em acontecimento novo e enriquece esta
Palavra com uma nova interpretação e uma nova eficácia.
—
A Palavra de Deus alcança o seu significado mais pleno na acção litúrgica.
—
A Palavra e a resposta do povo unem-se inseparavelmente à própria oblação com
que Cristo confirmou no Seu Sangue a Nova Aliança…
Ainda
que reconhecendo estes valores, esta Festa da Palavra não
deixaria de ser celebração litúrgica, caso se inserisse num esquema de
celebração da Palavra no quadro da comunidade reunida com essa finalidade
(talvez na véspera de Domingo ou no próprio Domingo, fora da missa. Porém como
de costume, alguém poderia aduzir: como fazer vir duas vezes ao Domingo para
uma celebração a um determinado grupo da paróquia?). Perante esta pergunta,
como de outras possíveis, quero expor um convite que o Concílio Vaticano II faz
a todos os cristãos a propósito da Liturgia das Horas (que também é acto
litúrgico):
«Procurem
os Pastores de almas que as Horas principais, especialmente as Vésperas, se
celebrem comunitariamente nas igrejas aos Domingos e Festas mais solenes» (SC 100).
Respeitam-se
os quatro grandes momentos da celebração da Missa: Ritos iniciais, Liturgia da
Palavra, Liturgia Eucarística e Ritos conclusivos.
Tem‑se
em conta a presença dos adultos, pais, padrinhos, comunidade paroquial, como
sinal de caminho eclesial.
Acomoda-se
nas intervenções à mentalidade e linguagem das crianças. Dá-se espaço ao gesto,
ao movimento (procissões).
Observação:
Prevê-se que esta festa se realize todos os anos e que se celebre na missa
dominical da comunidade. Isto sugeriria outras alternativas e propostas para os
diferentes momentos, tal como sucede com a estrutura litúrgica do Leccionário
(que se apresenta em três ciclos); assim por exemplo, alternativas para: a
procissão inicial, monições (porquê só à primeira leitura? a proclamação do
Evangelho será só um simples adorno? Estando as crianças talvez habituadas à
escuta apenas do Evangelho, descuidá-lo nesta celebração pode tornar-se
desorientador); poderiam oferecer-se outros textos bíblicos.
Educa
na sensibilidade litúrgica quem a possui. Com isto refiro-me ao «acto
penitencial» proposto na celebração. Pega no terceiro esquema do acto
penitencial proposto no Missal, mas sem se dar conta de que este esquema está
baseado em invocações litânicas a Cristo e não em exposições de faltas ou erros
que tenhamos cometido e dos quais pedimos perdão (cf. o exemplo que aparece no
missal).
Para
significar melhor o gesto da comunhão na mesa da Palavra e o partir da
Palavra feito pelo Sacerdote, a entrega das Bíblias talvez ficasse melhor após
a homilia do que no fim da celebração.
Haveria
que ver o modo de dar às crianças um «protagonismo» maior, porventura lendo uma
frase da Sagrada Escritura que de modo especial irão guardar no seu coração
para a recordar com mais frequência ao longo da vida…
Pode
acontecer que alguém pense que, acrescentando outros sinais e intervenções, a
celebração, sendo ao Domingo com a Comunidade, fique demasiado extensa. Razão
não falta. Mas então teríamos que nos perguntar pelo sentido e valor que damos
à celebração litúrgica, se a valorizamos pelo que nela celebramos ou pelo tempo
que lhe dedicamos.
Com
esta reflexão só pretendo convidar a sermos mais sensíveis no campo da
celebração litúrgica, sem nos esquecermos da sua estreita relação com a vida.
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