sábado, 3 de janeiro de 2015

Celebrações Catequéticas e Festas no Itinerário Catequético

Celebrações Catequéticas e Festas no Itinerário Catequético

Desde a tradição mais antiga no campo da Catequese, o período catecumenal viu-se balizado por momentos Celebrativos, encontros nos quais o centro era ocupado pela proclamação da Palavra de Deus e pela explicação da mesma, acompanhada de gestos (imposição das mãos, unções, bênçãos) e orações particulares em favor daqueles que se encontravam em processo catecumenal. Disto nos dá razão Hipólito na sua Tradição apostólica:
«Quando o doutor conclui a catequese, os catecúmenos oram separados dos fiéis leigos» (nº 18). «Quando o doutor, depois da oração, impuser a mão sobre os catecúmenos, orará e os aceitará» (nº 19). «A partir do momento em que foram eleitos, impor-se-lhes-á a mão todos os dias exorcizando­‑os» (nº 20).
Se a Igreja na sua Tradição manteve determinados encontros de tipo celebrativo para acompanhar o processo catequético que conduzia aos sacramentos de Iniciação Cristã, foi porque descobriu neles um valor; valor enquanto referência directa ao acompanhamento comunitário, e valor enquanto caminho de formação em vista a assentar as bases e o fundamento do que viria posteriormente na noite de Páscoa. O novo Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos acolhe também o mesmo procedimento.

1.         Algumas ideias presentes no Directório para a Missa com Crianças
Directório para as Missa com Crianças  insere-se num período de formação que podemos denominar de «aprofundamento catecumenal», se bem que os sujeitos sejam já baptizados e «euca­ris­tizados». Esta etapa catequética continua a ser de aprendizagem de conhecimentos, como de funda­men­tação e clarificação de motivações coerentes que nos comprometem na vida celebrativo-litúr­gica. Isto, de certo modo, justifica que comecemos por expor algumas ideias presentes no Direc­tório, que podem iluminar as nossas opções por um tipo de celebrações «complementares» da Eucaristia.

1.1.         Formação humana e cristã
Nesta etapa da infância andam a par a formação humana e a formação litúrgica. O Directório está cons­ciente desta unidade formativa («Esta formação litúrgica e eucarística não pode separar­‑se da educa­ção geral,humana e cristã»: DMC 8), daí que defenda outro tipo de celebrações fora da Missa, que levem as crianças a aprofundar valores humanos que estão presentes na celebração da Eucaristia. Deste modo a participação das crianças no acto celebrativo-litúrgico da Missa será favorecida ainda mais:
«As crianças,[…] façam também, de modo proporcionado à idade e desenvolvimento pessoal, a expe­riên­cia con­creta daqueles valores humanos que estão na base da celebração eucarística, como sejam: a acção co­mu­ni­­tária, a maneira de saudar, a capacidade de escutar, de pedir perdão e de perdoar, a expressão de um coração agradecido, a experiência de acções simbólicas, do banquete fraterno, da cele­bração da festa» (DMC 9).
A educação-formação nos valores humanos são fundamentais para a celebração litúrgica porque a própria liturgia toma elementos da vida familiar e social para levar a cabo os encontros celebrativos.

1.2.         O papel da comunidade e da família
A família, por um lado, e a comunidade eclesial, por outro, desempenham um papel importante na vivência e celebração da fé das crianças. Assim se exprime o Directório:
«A comunidade cristã […] é a melhor escola de formação cristã e litúrgica para as crianças que nela vivem» (DMC 11).
«A família cristã desempenha o papel principal na aquisição destes valores humanos e cristãos [por parte das crianças]» (DMC 10).
Todos temos consciência do valor da família, em primeiro lugar, para ajudar os próprios filhos no caminhos da fé e, portanto, no caminho da participação na celebração litúrgica. Porém uma coisa é tomar consciência do facto e outra diferente é responsabilizar-se pela sua execução. Muito está ainda por fazer no sentido de que as famílias tomem a sério o seu papel, de valor insubstituível, na formação e aprofundamento da fé dos próprios filhos, assim como da sua vivência celebrativa nos actos litúrgicos. Talvez tenhamos tomado muito seriamente a execução de projectos de catequese para as crianças, os pré-adolescentes e os jovens e tenhamos descuidado o projecto de corresponsabilizar os pais nesta tarefa catequética e litúrgica.
Dizemos, também, que a comunidade eclesial tem um papel importante neste mesmo caminho celebrativo. Não esqueçamos, porém, que este papel cresce  no seu valor na medida em que cresce o valor da família. Vai sendo hora de fazer compreender às famílias, de modo progressivo, a riqueza que encerra a celebração dos Sacramentos na comunidade paroquial, com a presença da comunidade. A celebração sacramental, como por exemplo o Baptismo, de um membro de uma família, não alegra apenas essa família mas sim a toda a comunidade eclesial.

1.3.         Celebrações especiais se ir introduzindo na celebração litúrgica Segundo o Directório:
«Na formação litúrgica das crianças e na sua preparação para a vida litúrgica da Igreja podem ter também grande importância celebrações de diverso tipo, mediante as quais as crianças, pela força da própria celebração, percebem mais facilmente certos elementos litúrgicos, tais como a saudação, o silêncio, o louvor comum…» (DMC 13)
Concretamente, este tipo de celebrações de que fala o Directório são as assim chamadas «cele­bra­ções catequéticas». São celebrações que no  próprio âmbito da catequese procuram oferecer moti­vações e iluminar alguns sinais, expressões humanas ou atitudes (dimensões da pessoa: humana, religiosa, orante, celebrante,...) tendo em vista a melhor vivência celebrativa, visando uma maior participação nas manifestações religiosas e litúrgicas. No nosso caso o que se pretende é a participação consciente e activa na celebração litúrgica. Mais adiante deter­‑nos­‑emos neste ponto.
1.4.         Celebrações da Palavra
Na base da Constituição Conciliar SC no seu número 35 («Fomentem-se as celebrações sagradas da Palavra de Deus nas vésperas das festas mais solenes, em alguns dias feriais do Advento e Quares­ma  e aos Domingos e dias festivos, principalmente nos lugares onde não haja sacerdote»), Direc­tório convida a guiar as crianças na descoberta do valor da Palavra de Deus na celebração litúrgica:
«Nestas celebrações, deve dar-se à Palavra de Deus uma importância cada vez maior […] Devem fazer-se com as crianças, com maior frequência, celebrações da Palavra de Deus propriamente ditas, sobretudo no Advento e Quaresma» (DMC 14).
O Valor da Palavra de Deus na celebração litúrgica é primordial, pois nela se enraíza toda a celebração; podemos dizer  que a Palavra de Deus é o fundamento de toda a celebração sacramental. Em apoio desta nossa afirmação aduzimos a estrutura celebrativa presente em todos os actuais rituais. Por isso, o mesmo Directório convida  a ter celebrações específicas da Palavra de Deus, sobretudo nos assim chamados tempos fortes do Ano Litúrgico.
2.         Breve resenha histórica das celebrações catequéticas
A Celebração catequética apresenta-se como uma tentativa da própria catequese se superar a si mesma, aproximando-se mais da liturgia, sem nunca perder o seu carácter especifico.
Esta mentalidade, sobre a promoção da celebração catequética tendo em vista a sua aproximação à liturgia  desenvolve-se particularmente em ambientes do norte da Europa nos inícios dos anos 50, deixando entrever uma certa influência por parte do movimento litúrgico do princípio do século, cujas linhas, pelo menos algumas delas, serão totalmente assumidas na encíclica Mediator Dei de Pio XII, e serão totalmente assumidas na Constituição Conciliar do Vaticano II Sacrosanctum Concilium.
Nesta mentalidade pretende-se atingir um ponto de encontro entre o movimento litúrgico e a procura de uma catequese que não seja nocionista, abstracta e individualista.
2.1.         A Escola Francesa
A partir da reflexão que se ia fazendo no Instituto Catequético de Paris (1951), começa a introduzir-se a celebração catequética em tratados de catequética como o de Josep Colomb[1]. Nele, Colomb afirmará, ao falar sobre a «celebração em catequese metódica» que «em catequese didáctica a celebração é uma oração de “forma litúrgica”, na continuação de uma prelecção […]. Ligada assim à prelecção, a celebração fica unida à catequese metódica e não à liturgia»[2].
Nesta mesma linha já se havia movido e continuava a orientar aquela que fora orientadora de trabalho prático  no Instituto Superior de Catequética de Paris, Françoise Derkenne (nascida em 1907). Segundo ela: «Toda a catequese está no Missal. Trata-se de colocar as crianças em contacto, não com as verdades abstractas, mas com a pessoa de Cristo vivo hoje, aí onde nós revivemos os mistérios ao longo do Ano Litúrgico»[3].
A partir do Vaticano II continua a escrever­‑se sobre as celebrações catequéticas, ainda que estas não sejam tidas muito em conta. Parece que ainda não se tomou consciência dos pontos de partida e dos princípios animadores das celebrações catequéticas. Estas nascem da exigência de superar a ruptura entre liturgia e catequese. Onde se prestou atenção a quanto o movimento litúrgico ia apresentando, sentiu-se a necessidade de superar o modo habitual de fazer catequese.
A abertura da reforma litúrgica, que tem em conta a diversidade de idades para a celebração, abre um novo caminho para o aprofundamento da relação entre liturgia e catequese. As celebrações da Palavra, para as quais convida a própria constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, de certo modo levaram a pensar que a celebração catequética já estaria superada ou mesmo inadequada.
2.2.         Que se entende por Celebrações Catequéticas?
A partir de uma pedagogia activa, o ensino religioso deveria ter como alvo, não a simples instrução, mas sim levar a uma verdadeira iniciação que introduza o homem todo, no Mistério de Deus. A celebração encontra-se entre as técnicas mais apropriadas para esse fim.
Segundo a descrição que François Coudreau faz de celebração catequética:
«Por meio da Palavra (Sagrada Escritura) e do uso do gesto (jogo, mímica...) numa atmosfera semelhante à da assembleia litúrgica, reevoca-se um acontecimento passado (bíblico, evangélico ou histórico) para fazer reviver o mistério aí expresso, de modo que, através de uma participação activa da comunidade, se facilite a cada um a contemplação actual desse mistério, com a finalidade de obter a conversão do coração e um compromisso de vida»[4].
Podem enumerar-se certos elementos que põem em realce a estrutura de uma celebração catequética:
— Reevocação de um acontecimento bíblico ou histórico (pode ser representado; o centro não é ocupado pela pessoa, mas sim pela narração).
— Atmosfera litúrgica (no sentido de uma acção, acção comunitária).
— Passagem do acontecimento ao mistério (o grupo deverá acolher o mistério expresso em gestos e palavras), mas numa ordem diferente da da celebração sacramental.
— Profissão de fé comunitária (conversão e compromisso por meio de uma expressão de fé comum, mediante a oração, o canto ou gestos).
Atendendo a este conteúdo, poderíamos dizer não existir diferença entre uma celebração catequé­tica e uma celebração litúrgica da Palavra. Contudo se atendermos à sua finalidade a diferença existe:
— A finalidade da celebração catequética é fazer compreender o que se realiza (é uma acção indicativa), ou o que é o mesmo, descobrir o mecanismo ou o processo para a obtenção de algo (o processo de elaboração de um produto).
— A finalidade da celebração litúrgica não é informar mas confirmar a existência de um encontro, de uma relação (é uma acção ritual).
Pode dar-se o caso de que uma celebração catequética deixe de ser indicativa e passe a ser ritual; então deixaria de existir distinção e estaríamos, a falar de celebração litúrgica.
Esta visão de celebração catequética que vimos até aqui, amplia-se, de certo modo, pelo conteúdo que encontramos no Directório para a Missa com crianças e que já antes assinalámos ao falar de «celebrações especiais», isto é, celebrações que leva a aprofundar valores de tipo familiar, social, antropológico, e que a celebração litúrgica assume na sua estrutura.
3.         Necessidade de marcar o processo formativo-catequético com momentos celebrativos
As crianças em período de catequese precisam (na fase dos 6-8 anos) de um ambiente rico em sím­bolos litúrgicos e sinais que manifestem os valores fundamentais do Evangelho. Tanto uns como outros são apreendidos pelas crianças mais pelo ambiente de fé que as rodeia que pelas palavras que ouvem[5].
Dos 8 aos 10 anos gostam de viver a sua fé de um modo activo particularmente integrados em celebrações da comunidade, desempenhando um papel concreto[6].
Na etapa dos 10 aos 12 anos, a criança dá importância à oração e gosta de momentos de convívio com o grupo dos da sua idade[7].
Todo o processo catequético-formativo pede momentos particulares de encontro que não se redu­zam à exposição e diálogo sobre conteúdos de tipo doutrinal, mas que sejam vividos como expres­são de vida, de encontro festivo, de abertura a dimensões interiores da pessoa, portanto, celebrações.
3.1.         Necessidade e conveniência das celebrações catequéticas. Exemplificação
Pelo fim visado pela própria catequese e pela condição dos sujeitos que integram o grupo de catequese, as celebrações catequéticas não só se consideram convenientes, mas também necessárias. A sua ajuda é altamente positiva para perceber e fundamentar os conteúdos de fé apresentados na catequese, e os valores tanto a nível humano como religioso-evangélico. Como já antes indicámos, pode acontecer que no desenvolvimento de uma celebração catequética pas­semos a uma celebração litúrgica da Palavra. Não nos preocupemos em evitar esta passagem, pelo contrário, acolhamos positivamente toda a experiência celebrativa que nos leve não só a descobrir como o mistério se torna presente, mas até a descobrirmo-nos dentro do mistério, vivendo o mistério, contribuindo activamente para a realização do mistério, presença sacramental de Cristo.
Durante o ano lectivo de 1991/92, na revista Proyecto Catequista foram aparecendo celebrações do tipo catequético com a intenção de aprofundar conteúdos particulares que aproximassem da celebração litúrgica, favorecendo assim a participação mais activa na mesma. O conteúdo que se queria aprofundar era tirado da Constituição conciliar SC. A primeira dessas celebrações, incluída no esquema, pretende guiar na descoberta do valor da celebração em geral a partir do nº 59 da SC, que diz: «[Os Sacramentos] conferem certamente a graça, porém a sua celebração também prepara perfeitamente os fiéis para receberem com fruto a mesma graça, render culto a Deus e praticar a caridade».
O esquema apresentava-se do seguinte modo:
Premissas:
Se estamos interessados em celebrar, isto é, interessados em fazer festa, não devemos esquecer que:
— Há algo importante na minha vida; e, porque é importante, dedicamos-lhe um tempo especial: algo ou alguém nos convoca; há um convite.
— Este tempo especial não o vivo na solidão, mas antes o partilho com mais alguém: amigos, família, grupo…
— Apresento uns sinais pelos quais todos nos sentimos a fazer algo em comum e distinto daquilo que fazemos todos os dias; algo que nos alegra, que não nos cansa porque nos abre para a vida e, portanto, sentimo-nos bem.
— Partilhar a amizade, partilhar a palavra e o diálogo, partilhar a comida e a bebida são elementos que, de certo modo, se exigem em toda a celebração, pois vão conformando o ritual da celebração.
Motivação:
Vamos dedicar um momento ou um tempo da nossa vida, da nossa história, a celebrar o primeiro encontro que tivemos como grupo. Cremos que vale a pena celebrar o facto de estarmos juntos como grupo, de nos encontrarmos e enriquecer-nos.[esta motivação será dada alguns dias antes da própria celebração, para que se comece a viver o momento pré-celebrativo. Será necessário adornar a sala (desenhos, posters, flores…); levar algum distintivo (roupa especial, lenço ao pescoço, autocolante…) e trazer algum doce e/ou bebida para partilhar. E que não falte a música!]
Desenvolvimento:
Primeiro momento: Saudações e acolhimento por parte de todos e cada um; ao som da música de ambiente vai-se abrindo o que cada um trouxer
Segundo momento: (Partilhamos o nosso diálogo): cada qual manifesta por que razão é importante para ele (ela) esta celebração do primeiro encontro. Podem aparecer respostas como: «desde que vos conheço ando muito melhor…»; ou «Desde que estou convosco vivo a vida…».
Cada qual pode narrar o que recorda do seu primeiro dia de encontro no grupo, ou o acontecimento que recorda com mais agrado.
 Terceiro momento: (Partilhamos outras coisas: música, doces, bebida…). Enquanto se partilham os doces ouve-se a melodia musical que cada qual traz escolhida. Após cada canção ou melodia musical, todos aplaudem (gesto comum que une a assembleia). escolhe-se uma das canções escutadas para ser cantada por todos.
Quarto momento: (Despedida): cada qual pode inventar um brinde, se se partilha algum refresco. Todos cantam a canção escolhida ou outra que exprima a unidade do grupo. [É importante fixar uma data ou uma próxima reunião para rever a celebração vivida e descobrir os elementos mais típicos que estão presentes em qualquer celebração].
Como se pode observar trata-se do esquema celebrativo da Eucaristia: momento de encon­tro/ri­tos iniciais da celebração, mesa da Palavra, mesa da Eucaristia e conclusão/despedida da assembleia. É o animador/catequista quem deverá conhecer o momento adequado no qual se poderá realizar este tipo de celebração, tendo a possibilidade de acrescentar, mudar ou retirar uns ou outros elementos. Não podemos educar no esquematismo rígido, e menos ainda numa propos­ta de celebração dirigida a grupos em diferentes etapas formativas. É aqui que se agra­de­cerá ou se sentirá a falta da formação litúrgica do/da catequista.
3.2.         Festas num itinerário catequético. Que festas?
Falar de festas num itinerário catequético obriga-nos a determinar o conceito de «festa» dentro de um itinerário catequético. Por «festa» entendemos aquela celebração (Sacramento ou sacramental) de carácter público, expressão, ao mesmo tempo, do compromisso pessoal, enquanto aceitação do dom gratuito do próprio Deus, e manifestação de agradecimento a Deus, presente na comunidade, pelo chamamento feito.
A festa, a partir do seu carácter público e do compromisso comum, provoca uma nova situação do sujeito no meio da comunidade. No itinerário catequético para a infância em Portugal aparecem as seguintes festas:
Festas-sacramento:     Festa do Perdão (Reconciliação)
                                Festa da Eucaristia
Festas-sacramentais:   Festa do Pai-Nosso
                                Festa da Palavra
Gesto-compromisso:     Entrega do NT ou da Bíblia
                                Entrega do Credo. Profissão de fé.
A festa (celebração de um Sacramento ou sacramental) insere-se num itinerário de vida de fé, que se vive em dimensão catequética. E não é por estar inserido num itinerário, que pode dar a sensação de um grande grupo, que se deve despersonalizar o processo catequético. Não se celebra um Sacramento porque «chegou a vez» ou porque se esteve durante dois ou três anos na catequese da infância, mas sim porque se descobre na pessoa, seja criança, adolescente, jovem ou adulto, um mínimo de resposta de fé pessoal e fé comunitária[8]; não se celebra porque alguém ganhou a pulso a celebração sacramental, mas porque é a expressão do dom gratuito que Deus fez ao catequisando e este acolheu-o, manifestando assim o compromisso que assume diante de Deus.
As festas no itinerário catequético vão pondo em evidência a acção do Espírito em cada um dos corações que acolhe com sinceridade a Palavra de Deus. Vão certificando o crescimento, a adultez e a maturidade na fé, a nova situação perante a comunidade. As situações de tipo antropológico que marcam a existência do homem vivem-se a partir da celebração sacramental para assim significar no seio eclesial o caminho de aprofundamento na fé. Por isso as festas, celebração cristã de fé, são necessárias em todo o itinerário de fé.
Mas, que festas? Com que sequência? Responder as estas perguntas significaria ter já resolvido um dos problemas mais difíceis no campo sacramental, litúrgico e catequético. Só para dar um exemplo presente nos guias do itinerário catequético de Portugal:
No volume terceiro (2ª fase — 1º ano), o Presidente da Comissão Episcopal da Educação Cristã, D. Horácio Coelho Cristino, dirigindo-se aos catequistas na apresentação do livro diz: «as crianças do teu grupo vão redescobrir deste modo o sentido e a força dos Sacramentos da Iniciação Cristã, quer dizer Baptismo, Confirmação e Eucaristia» (p.6).
Por outro lado, no primeiro volume (1ªfase — 1º ano) na Festa do acolhimento dá-se a seguinte indicação aos catequistas: «Na actual prática pastoral considera-se o cristão plena­mente iniciado na vida eclesial (maturidade da vida cristã e conhecimento dou­trinal), quando recebeu os três Sacramentos da Iniciação Cristã (Baptismo, Eucaristia e Confirmação) que supõem uma conveniente formação: catequese dos 6 aos 16 anos pelo menos» (p.20).
E se, além disso, considerarmos a Reconciliação dentro do itinerário  de iniciação, o que na prática acontece, complicamos ainda muito mais o itinerário sacramental que aparece indicado em todos os documentos oficiais que vêm das Congregações romanas, quer dizer: Iniciação Cristã =" Baptismo," Confirmação e Eucaristia. Não é minha intenção entrar neste problema, mas simples­mente indicar que já no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos, se oferece uma nova modalidade cele­brativa para aquelas crianças que em idade escolar ainda não celebraram o Baptismo. Pede-se que seja seguido com eles um itinerário catequético especial, de modo que possam celebrar ao mesmo tempo o grande sacramento da Iniciação Cristã, ou seja: Baptismo, Confirmação e Eucaristia.
De novo perguntamos: que festas e quando? Podemos indicar como respostas possíveis:
— Aquelas festas que estejam em sintonia com o que se vai aprofundando no itinerário catequético, sem descuidar a personalização da celebração.
— Em relação ao quando: evidentemente aproveitando o quadro do ano litúrgico, mas desmassificando as celebrações. Será um modo de ajudar também à personalização da celebração e do itinerário catequético que se vai percorrendo.
4.         A festa da «Palavra»: um exemplo entre outros
Seria demorado ir vendo cada uma das festas que, segundo o projecto do Secretariado Nacional de Educação Cristã de Portugal, se propõem no itinerário catequético para a infância. Detenho-me na festa da «Palavra» porque a Palavra de Deus é o elemento chave de qualquer projecto catequético. Analisamos a celebração enquanto tal celebração, dentro de um contexto mais geral, para passar posteriormente ao seu desenvolvimento.
4.1.         No contexto do itinerário catequético da infância
Esta festa situa-se no final de um ano catequético, no qual um dos objectivos fundamentais será: «ir descobrindo e aceitando a Boa Nova da Palavra de Deus, mediante a introdução à Bíblia, especialmente aos Evangelhos» (2ª fase — 2º ano, p. 12). Podemos afirmar que existe conexão entre o ensinado na catequese e a celebração.
Fixemo-nos nas festas que se celebraram anteriormente nos outros anos de catequese:
— Festa do Pai-Nosso
— Festa do Perdão
— Festa da Eucaristia.
A partir da estrutura sacramental-celebrativa, observámos como a Palavra de Deus antecede, é fundamento da acção litúrgica. E, no nosso caso, com a festa da Palavra, acontece que está situada depois da celebração sacramental do Perdão e da Eucaristia-Comunhão na mesa do pão. Esta colocação parece apresentar uma certa contradição.
4.2.         No marco do Ano Litúrgico
Não se insinua nenhuma data, em concreto, para a celebração desta festa da Palavra, mas simplesmente se indica a sua celebração «no final do ano». Durante o ano litúrgico celebramos o Mistério Pascal nas suas particularidades, e estas são postas em evidência na Palavra de Deus. Já que se trata de celebrar a «Festa da Palavra», não estaria mal que se celebrasse à volta de alguns dos acontecimentos pascais, por exemplo em torno do Pentecostes, visto que sugere ideias de «anúncio da Palavra», testemunho, envio...
4.3.         No marco particular celebrativo
O esquema que se apresenta está enquadrado na Missa dominical. Porquê? A resposta é-nos dada pelo mesmo guia do catequista:
«Porque a Eucaristia é o momento mais privilegiado na vida da comunidade cristã. E, sem uma comunidade, a Bíblia nunca teria sentido, mesmo hoje. Daí que a entrega da Bíblia às crianças se faça quando a comunidade está reunida».
Esta é a única referência que se faz à Missa; e não parece que o motivo apresentado esclareça muito o porquê da inclusão na Missa.
No Ordo Lectionum Missae (OLM) — trata-se dos Praenotanda ao Leccionário — aparecem indi­ca­ções precisas acerca do valor da Palavra de Deus na Missa. Não teria estado mal recolhê-los aqui:
— Dupla mesa e um só ato de culto.
— A celebração litúrgica sustém-se e apoia-se na Palavra de Deus.
— A celebração litúrgica converte-se em acontecimento novo e enriquece esta Palavra com uma nova interpretação e uma nova eficácia.
— A Palavra de Deus alcança o seu significado mais pleno na acção litúrgica.
— A Palavra e a resposta do povo unem-se inseparavelmente à própria oblação com que Cristo confirmou no Seu Sangue a Nova Aliança…
Ainda que reconhecendo estes valores, esta Festa da Palavra não deixaria de ser celebração litúrgica, caso se inserisse num esquema de celebração da Palavra no quadro da comunidade reunida com essa finalidade (talvez na véspera de Domingo ou no próprio Domingo, fora da missa. Porém como de costume, alguém poderia aduzir: como fazer vir duas vezes ao Domingo para uma celebração a um determinado grupo da paróquia?). Perante esta pergunta, como de outras possíveis, quero expor um convite que o Concílio Vaticano II faz a todos os cristãos a propósito da Liturgia das Horas (que também é acto litúrgico):
«Procurem os Pastores de almas que as Horas principais, especialmente as Vésperas, se celebrem comunitariamente nas igrejas aos Domingos e Festas mais solenes» (SC 100).
4.4.         Quanto à estrutura da celebração
Respeitam-se os quatro grandes momentos da celebração da Missa: Ritos iniciais, Liturgia da Palavra, Liturgia Eucarística e Ritos conclusivos.
Tem­‑se em conta a presença dos adultos, pais, padrinhos, comunidade paroquial, como sinal de caminho eclesial.
Acomoda-se nas intervenções à mentalidade e linguagem das crianças. Dá-se espaço ao gesto, ao movimento (procissões).
Observação: Prevê-se que esta festa se realize todos os anos e que se celebre na missa dominical da comunidade. Isto sugeriria outras alternativas e propostas para os diferentes momentos, tal como sucede com a estrutura litúrgica do Leccionário (que se apresenta em três ciclos); assim por exemplo, alternativas para: a procissão inicial, monições (porquê só à primeira leitura? a proclamação do Evangelho será só um simples adorno? Estando as crianças talvez habituadas à escuta apenas do Evangelho, descuidá-lo nesta celebração pode tornar-se desorientador); poderiam oferecer-se outros textos bíblicos.
Educa na sensibilidade litúrgica quem  a possui. Com isto refiro-me ao «acto penitencial» proposto na celebração. Pega no terceiro esquema do acto penitencial proposto no Missal, mas sem se dar conta de que este esquema está baseado em invocações litânicas a Cristo e não em exposições de faltas ou erros que tenhamos cometido e dos quais pedimos perdão (cf. o exemplo que aparece no missal).
Para significar  melhor o gesto da comunhão na mesa da Palavra e o partir da Palavra feito pelo Sacerdote, a entrega das Bíblias talvez ficasse melhor após a homilia do que no fim da celebração.
Haveria que ver o modo de dar às crianças um «protagonismo» maior, porventura lendo uma frase da Sagrada Escritura que de modo especial irão guardar no seu coração para a recordar com mais frequência ao longo da vida…
Pode acontecer que alguém pense que, acrescentando outros sinais e intervenções, a celebração, sendo ao Domingo com a Comunidade, fique demasiado extensa. Razão não falta. Mas então teríamos que nos perguntar pelo sentido e valor que damos à celebração litúrgica, se a valorizamos pelo que nela celebramos ou pelo tempo que lhe dedicamos.
Com esta reflexão só pretendo convidar a sermos mais sensíveis no campo da celebração litúrgica, sem nos esquecermos da sua estreita relação com a vida.


Nenhum comentário:

Postar um comentário